O crime organizado, não pode ser categorizado. A lei de combate as organizações criminosas, vem na linha de um direito penal expansionista, buscando a eficiência punitiva, com a criação de diversos instrumentos de repressão ao crime organizado. Sabe-se que a criminalidade, atrai um certo fascínio no ser humano, sendo tema de filmes e seriados, porém muitas vezes esse programas desvirtuam a realidade. Assim como ensina Hassemer:
Não só o “criminal”, mas também o “criminoso” fascina. A história da literatura está cheia de crime e castigo, criminalidade e Direito Penal. Os thrillers (ou os telefilmes e filmes) são algo normal e geralmente um bom negócio. “Os meios de comunicação informam quase exclusivamente sobre casos penais, porque assim, satisfazem o interesse de seus leitores, ainda que seja à custa de desfigurar a realidade da Administração da Justiça”. Para a maior parte das pessoas, incluindo os que iniciam os estudos de Direito, “o Direito Penal” é o Direito por excelência. (HASSEMER, 1989. p. 31, tradução nossa)[1].
Cada vez mais na sociedade é tomada por uma onda de terror, imposto pela mídia. Se prega um direito penal máximo, para a solução de conflitos que poderiam ser resolvidos pelos demais ramos do direito, as ciências criminais devem ser usadas somente como um direito de ultima ratio. Nesse sentido leciona Prado “o uso excessivo da sanção criminal (inflação penal) não garante uma maior proteção de bens; ao contrário, condena o sistema penal a uma função meramente simbólica negativa”. (PRADO, 2007, p. 143).
E assevera Henrique Viana: “A aplicação legítima do Direito Penal exige sua utilização somente em último caso, para intervir minimamente na vida das pessoas. Não se pode tolerar uma inflação legislativa penal, pois conduz a uma ineficácia do sistema”. (PEREIRA, 2014, p. 116).
Infelizmente existem no Brasil diversos jornalistas de programas policiais, formadores de opinião, que têm usado seus programas para exigir do Estado leis mais duras, e até pena de morte, o que acaba manipulando a opinião pública. Deste modo o poder público é pressionado a promover a criação de novos tipos penais, o que acaba por criar um descrédito no direito penal. Assim ensina Roxin (2002):
A intervenção mais radical na liberdade do indivíduo que o ordenamento jurídico permite ao Estado, entende-se que o Estado não deva recorrer ao direito penal e sua gravíssima sanção, se existir possibilidade de garantir uma proteção suficiente com outros instrumentos jurídicos não-penais. (ROXIN, 2002, p. 264).
Uma crítica é cabível aos que defendem um maior rigor na aplicação da pena, é no sentido que, em termos gerais, a gravidade da pena, não provoca coação psicológica no indivíduo que tem a intenção de praticar um injusto. Pode-se dizer que, o que provoca coação psicológica é a certeza ou grande probabilidade de ser sancionado pela lei penal. Nesse sentido ensinava Beccaria (2005):
Da simples consideração das verdades até aqui expostas, resulta evidente que o fim das penas não é atormentar e afligir um ser sensível, nem desfazer um delito já cometido. É concebível que um corpo político, que, bem longe de agir por paixão, é o moderador tranquilo das paixões particulares, possa abrigar essa inútil crueldade, instrumento do furor e do fanatismo, ou dos fracos tiranos? Poderiam os gritos de um infeliz trazer de volta do tempo sem retorno as ações já consumadas? O fim, pois, é apenas impedir que o réu cause novos danos aos seus concidadãos e dissuadir os outros de fazer o mesmo. É, pois, necessário escolher penas e modos de infligi-las, que, guardadas as proporções, causem a impressão mais eficaz e duradoura nos espíritos dos homens, e menos penosa no corpo do réu (BECCARIA, 2005, p. 62).
Segundo Roxin, a teoria da prevenção geral, apresenta defeitos teóricos e práticos, para o ilustre penalista a pena não pode ser usada como forma de terrorismo estatal. Infelizmente na prática, o Estado tem usado do direito penal simbólico, bem como do "terrorismo estatal" com o fim de coibir delitos através da gravidade pena, um exemplo seria a lei de crimes hediondos. Essa prática infeliz do legislador deve ser evitada sob pena de se violar a dignidade da pessoa humana (ROXIN, 1997, p. 93).
O crime organizado é tomado pelo Estado, como o inimigo da vez, merecendo uma forte reprimenda penal. Os políticos amparados na sensação de insegurança gerada pela mídia, se utilizam de um discurso punitivista para angariar votos da população. Porém sabe-se, que as teorias justificacionistas da pena não tem realizado as suas funções declaradas; aliás a única teoria da pena que cumprindo a sua finalidade é a teoria retributiva, de impor o mal da pena ao mal do crime de forma cruel e desumana (YAROCHEWSKY, 2004, p. 220).
A criminologia crítica ao abordar esse assunto, revela que a pena tem uma finalidade oculta, qual seja de garantir uma sociedade desigual; esta sim sua real finalidade. O direito penal infelizmente está a serviço dos burgueses. Sabe-se que o direito penal é seletivo, e provoca a estigmatização em indivíduos excluídos das relações de produção e de baixa renda. Tem ainda a função política de garantir e reproduzir a escalada social vertical como uma das funções da pena, bem como encobrir e imunizar condutas das elites com alto poder econômico (BARATTA, 2004, p.173-175). Nesse sentido, afirma com autoridade Maria Lucia Karam (1991):
Mas, onde a eficácia publicitária do sistema penal se manifesta mais forte e perversamente e em sua atuação sobre as classes subalternas, que, desejando a solução penal, não percebem que são elas próprias as vitimas preferenciais daquela carga de estigma, injustiça e violência; que, levadas a aplaudir a solução extrema da pena de morte oficializada ou extra-oficial, não percebem que estão assinando suas próprias sentenças de morte. Fazendo acreditar na fantasia de uma falsa solução, que, além de ineficaz e inútil, causa sofrimentos desnecessários, seletiva e desigualmente distribuídos, provocando, ainda, um enorme volume de violência, sob a forma de deterioração moral, privação de liberdade e morte. O sistema penal poderia, facilmente, se enquadrar entre os produtos e serviços potencialmente nocivos ou perigosos, cuja publicidade enganosa ou abusiva se pretende proibir, através da paradoxal criação de novos crimes, por uma lei penal, que, assim, contraria a si mesma. (KARAM, 1991, p. 207).
Michel Focalt adverte que estes modelos justificacionistas são falidos, o que já foi constatado pelo Estado, muito embora o Estado ainda insista em justificar e usar a pena com essas finalidades falaciosas (FOUCALT, 1999. p. 126-127).
Atualmente vive-se em uma sociedade de risco, que cria na população, o sentimento de insegurança, gerado pela violência decorrente das práticas delitivas. O processo de globalização, a sociedade de risco e a exclusão social, contribuem para a formação da sensação de insegurança (SANCHES, 2001).
Com isso, o Estado busca reprimir o crime, através da voraz criação de crimes de perigo abstrato, delitos de acumulação e até intervenção penal para alguns atos meramente preparatórios. Ou seja, o direito penal clássico, que agia pos factum, hoje tenta antecipar a punição o quanto antes possível (SANCHES, 2001).
Para fazer frente ao crime organizado o Estado vem hipertrofiando o direito penal, com novas leis que visam combater com maior rigor alguns delitos como o terrorismo, criminalidade organizada, tráfico de pessoas, o tráfico internacional de drogas entre outros delitos. Essas novas leis são mais rígidas e vulneram direitos e garantias fundamentais dos acusados, tais como o direito de não se autoincriminar, o direito à intimidade, dentre outras. Não foge deste escopo, as palavras de Klaus Günther (2009):
Começou há muito tempo o processo de expansão do direito penal a tal ponto que ele passa a violar os interesses protegidos por lei. Além disso, a luta contra o crime organizado abriu as portas para um enrijecimento drástico do direito penal material e processual (GÜNTHER, 2009, p.14).
Nesse sentido é a lei que trata do terrorismo, o Patriotic Act nos Estados Unidos da América do Norte. Outro exemplo de legislação mais rígida, nesse mesmo sentido, ocorreu na Alemanha em reação a alguns atentados terroristas realizados por Andreas Baader e Ulrike Meinhoff, durante a década 1970. Quando o legislativo alemão editou em 20 de setembro de 1974, que proibia a defesa de mais de um cliente por advogado, e que liberava que a instrução sem advogado.
No ano de 1976, a Alemanha editou a Lei Antiterrorismo, que estabelecia um maior rigor no controle das correspondências dos encarcerados, previa ainda o procedimento do processo de advogados que fossem cúmplices com seus réus bem como a prisão preventiva de suspeitos de condutas terroristas. No ano seguinte, para ser mais preciso em 30 de setembro de 1977, ainda na Alemanha, o legislativo a lei que liberava o isolamento total dos presos suspeitos de terrorismo, pelo período de quinze dias, tudo isso sem a necessidade de autorização judicial. O combate ao terrorismo na Alemanha estava se tornando cada vez mais extremo. Foi quando em 13 de abril de 1978, se promulgou a lei que excluía o defensor e não vedava a detenção de qualquer suspeito (GRECO FILHO, 2014. p. 9-10).
Percebe-se que o direito penal de emergência não é exclusividade do Brasil, e sim um fenômeno global, que merece um cuidado especial sob pena de violação da Constituição Federal. Nesse sentido Oren Gross argumenta:
Tempos de crise representam o maior e mais sério perigo às liberdades e princípios constitucionais. Nesses tempos, a tentação de desprezar liberdades constitucionais está em seu auge, enquanto a efetividade dos tradicionais pesos e contrapesos está em seu ponto mais baixo. Em tempos de crise, é frequentemente discutido que minúcias legais devem ser colocadas em segundo plano, como luxos a serem desfrutados somente em temos de paz e tranquilidade. No entanto, é precisamente nesses tempos que as salvaguardas constitucionais para a proteção de direitos, liberdades e garantias são postas à prova. Um comprometimento contínuo com a preservação e manutenção de direitos, liberdades e garantias deve ser conciliado com a cautela contra a transformação da constituição em um pacto suicida. (GROSS, 2003, p. 1027-1028, tradução nossa)[2].
O poder público mesmo que pressionado pelos meios de comunicação, não pode violar direitos e garantias fundamentais do indivíduo, sob pena de regredirmos a um Estado inquisitivo. Para que o Estado possa fazer frente ao crime organizado, é preciso agir dentro da legalidade, através de meios de investigação eficazes e sempre com um filtro constitucional.
Não é viável, o Estado buscar uma eficiência punitivista a todo custo, pois invariavelmente o “direito penal eficiente” terá efeitos negativos a longo prazo. É preciso entender que, se a sociedade busca um direito penal forte, ela irá pagar um alto preço, pois não existe um direito penal forte de custos nulos. E vários princípios constitucionais conquistados pela sociedade, iram se perder, com exemplo o princípio da dignidade da pessoa humana (HASSEMER, 2003. p. 66). Princípio este que foi conquistado sob duras penas, como observa Pontes de Miranda, “por lentas e dolorosas conquistas na história da humanidade” (MIRANDA, 1947, p. 238).
Ninguém deseja que a prática de crimes permaneça impune, muito menos que Estado puna os indivíduos com desrespeito as garantias processuais penais e constitucionais. É preciso haver equilíbrio do jus puniendi estatal, este é um dos maiores desafios do direito penal hodierno.
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[1] No sólo "lo criminal", también el "criminal" fascina. La historia de la literatura está llena de crimen y castigo, criminalidad y Derecho penal". Las novelas policiacas (o los telefilms y películas) son algo normal y generalmente un buen negocio. Los medios de comunicación informan casi exclusivamente de casos penales porque así satisfacen el interés de sus lectores, aunque sea a costa de desfigurar la realidad de la Administración de Justicia ''. Para la mayor parte de la gente, incluyendo a quienes inician los estudios de Derecho, "el Derecho penal" es el Derecho por excelência.
[2] Times of crisis pose the greatest and most serious danger to constitutional freedoms and principles. In such times, the temptation to disregard constitutional freedoms is at its zenith, while the effectiveness of traditional checks and balances is at its nadir. In times of crisis, it is often argued, legal niceties may be cast aside as luxuries to be enjoyed only in times of peace and tranquility. Yet, it is precisely in such times that constitutional safeguards for the protection of rights, freedoms, and liberties are put to the test. A continued commitment to preserving and maintaining rights, freedoms, and liberties ought to be reconciled with the caution against turning a constitution into a suicide pact.
Mestre em Direito pela PUC/MG, pós-graduado em Ciências Penais pela mesma instituição e graduado em direito pela Funcesi. Ex- Professor de Direito Penal e Processo Penal do CENSI - Itabira (graduação); e da Funcesi nas disciplinas de direito penal (professor visitante da graduação). Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes. É ainda pós-graduado lato senso em Direito Ambiental, e Direito Processual Civil, pela Faculdade Internacional de Curitiba - FACINTER. Advogado Criminalista.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: VIEIRA, ALIXANDRE BARROSO. O crime organizado e o direito penal de emergência Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jan 2024, 04:57. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos /61854/o-crime-organizado-e-o-direito-penal-de-emergncia. Acesso em: 29 dez 2024.
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